sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Contacto imediato de 3º grau com o espelho

Dona Mindinho concebeu-se em pensamentos de cabeça inadaptada a um mundo a preto e branco. Havia de surgir uma criatura que vivesse numa paleta mais completa, de preferência com mais dias em verde-limão do que cinzento-rato.
Aquela mulher adulta que a inventou nunca quis, nas horas de Mindinisse, ser um Peter Pan de unha vermelha e vestido, nem a avózinha meiga que cheira sempre a creme hidratante misturado com bolinho quente. Quis ser mais, não ter idade, ser plena, ou quase.
Dona Mindinho criou-se mesmo antes de nascer. Já conhecia o mundo, o mundo jamais a conheceu.
Escolheu o Dia dos Enganos para surgir. Passou de lado num espelho e sentiu-se corar. Uma paixão nascia dentro do peito. Aquela mulher do outro lado que sorria com deliciosa malícia era mesmo o que ela queria ser. Parecia-se tanto com ela, no entanto era mais firme, mais mulher, mais isto, mais aquilo. Ou talvez não. Aquela mulher só tinha um brilho nos olhos diferente. Conheceu-se assim, reconheceu aquele brilho como sendo o seu de há uns anos. O desmazelo, as derrotas e não conquistas levaram-no e já todos esperavam dela um olhar baço e que atende aos desejos e vontades de todos.
Em segredo, diante daquele espelho meio turvo das lágrimas por se sentir viva, fez nascer Dona Mindinho: uma mulher apaixonada por si e pela vida, nas horas vagas, uma heroína com TPM.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Um país que é uma sarabudja?!

Aconteceu uma verdadeira catástrofe na Madeira. Há mortos para enterrar, há vidas inteiras enterradas na lama e escombros.
Nós portugueses somos um povo verdadeiramente solidário com este tipo de causas.
Formas de contribuir para reconstruir a Madeira têm aparecido como cogumelos. E há uma que questiono: um número de valor acrescentado para arrecadar dinheiro.
O que me intriga é o seguinte, e perdoem-me a ignorância:
Se telefonarmos para o dito número, pagamos 60 cêntimos mais IVA, no entanto só 50 cêntimos são encaminhados para o projecto solidário. Pergunto eu: e os outros 10 cêntimos????? E por que razão não prescinde o governo do valor do imposto??
É impressão minha ou, mesmo diante dos nossos olhos e boa vontade, alguém até lucra com esta desgraça? Se isto não é caso para indignação, então com que é que me indigno?
Ah! Já sei, há outra questão que me tem deixado em polvorosa.
No outro dia li numa revista uma crónica de um jornalista que dizia que nunca, em quase 36 anos de liberdade e democracia, o país teve tanta largueza de expressão. Justificou-se dizendo que se escreve o que se quer e que se chamam os bois pelos nomes. Juro que não reconheci naquele artigo o uso da ironia. - e eu costumo ser boa nisso-.
É lógico e muito evidente que não há lápis azul, não há polícia política e o Tarrafal é hoje um maravilhoso destino de férias. As mordaças são outras. Gozam com a nossa sobrevivência, a nossa dignidade, o nosso trabalho.
Este senhor, de quem sequer registei o nome - até porque o que menos interessa é dar-lhe um nome- não vive no meu país democrático e livre onde um desgraçado que trabalha das 8 às 18h tem que guardar dentro de si pensamentos e opiniões para continuar a ter emprego. O mesmo desgraçado não pode ser um pai atento e querer participar na vida quotidiana do filho e acompanhá-lo em consultas de rotina, ficar com ele quando está doente, para não perder o emprego.
Este desgraçado que é um trabalhador por conta de outrem não pode ser uma mulher, em idade fértil e com a ideia romântica de ter filhos, não vá o outrem não gostar destas coisas românticas e fazer da senhora grávida uma estatística dos centros de desemprego, sim, de desemprego!
Neste país que apaga 36 velas de vida em liberdade e democracia o meu filho não pode frequentar o ensino público - que deve ser gratuíto e acessível a todos-, porque os pais e avós quase nunca conseguem cumprir os horários estipulados para fecho das escolas. Deixo-o então todos os dias numa escola privada, onde deixo todos os meses parte do meu salário.
Saímos à rua e libertamos frases de desagrado, de contestação e de frustração, é certo. Frases que não são ouvidas. Somos ignorados. Liberdade de expressão pressupõe um elemento que ouve, retém a informação, responde, discute para chegar a um melhor caminho. Aquele país democrático e livre do senhor que é jornalista não é o meu.

Se não me indigno com isto, indigno-me com o quê?
Ah! Já sei, com tantas coisas, porém já me lateja uma veia na cabeça. O melhor é relaxar porque não tenho nenhum tipo de seguro de assistência médica. Estou entregue aos cuidados do Sistema Nacional de Saúde e isto não é Gripe A, quando muito um principio de AVC, mas isso não é contagioso.
Isto é um país ou só uma verdadeira Sarabudja?